sábado, 15 de junho de 2013

 Este blog era para ser um diário...impossível... atuando e produzindo, as urgência do dia a dia minaram este objetivo.
      Mas "Algumas Histórias" ainda existe!!E existirá na prática por longo tempo.
     As histórias vividas não deixarão de ser contadas. A emoção das apresentações,parcerias e riquezas de Santos, as experiências em outras cidades..dores e alegrias...
       Alegrias muitas, principalmente nos últimos dias!! Levar o teatro além do palco tradicional (que tanto amo), levar a arte para àqueles que não costumam ter acesso à ela..para alguns que nunca assistiram a uma peça de teatro. Tudo isso não tem preço.
        Abaixo, uma das fotos da apresentação emocionante para os idosos frequentadores do Conviver - Boqueirão, na praia do Boqueirão na Praia Grande!!! Momento de muita emoção nos agradecimentos!!
        Como foi posteriormente na apresentação de 14/06 no Conviver - Guilhermina!!! Fui às lágrimas ao receber os calorosos aplausos de um público tão especial. Estas fotos são da apresentação no Conviver Boqueirão (imagens de Jairo Marques).







   
         

Aproveito este blog de "Algumas Histórias" para falar da arte teatral além de nossa peça. Hoje busco uma experiência inédita. Como forma de divulgação de nosso espetáculo é em nosso site que publico minha crítica de "A Dama do Mar",espetáculo que me inspirou muito como modelo de precisão a buscar como ator em "Algumas Histórias" para proporcionar ao público uma experiência estética cada vez mais precisa.

Abaixo, minha resenha de "A Dama do Mar"






“A DAMA DO MAR”:
UM ELENCO BRASILEIRO NAVEGUANDO NAS ÁGUAS DE ROBERT WILSON

Robert Wilson, um dos mais importantes nomes da história das artes cênicas no século XX, estreou no último dia 16 de junho no palco do teatro do SESC-Santos, a montagem brasileira de “A Dama do Mar”, escrita por Susan Sontag, a partir da peça homônima do norueguês Henrik Ibsen. Esta montagem, que permanece em cartaz no SESC-Pinheiros até 07 de julho, teve sua primeira encenação em 1998 e agora ganha versão com atores brasileiros. Trata-se de oportunidade histórica de se assistir a uma obra do encenador estadunidense sem a necessidade de legendas. Dado o detalhismo de suas criações, ter os olhos livres para se ater apenas à cena é um diferencial e tanto desta encenação.
            Reflexões a respeito do trabalho deste artista esbarram em notórios desafios, mas um deles se torna um agravante considerável para esta resenha: o que um jovem estudante recém-saído da Academia pode escrever a respeito de Wilson depois de estudos de nomes como Hans-Thies Lehman, Josette Fèrral, Jacó Guinsburg, Jean Pièrre Sarrazac, Jean Pièrre Ryngaert, Sílvia Fernandes e Luiz Fernando Ramos?
 A precisão cirúrgica da iluminação, o minucioso trabalho de gestos e movimentos, a dilatação do tempo que nos põe numa outra relação tempo-espaço, as imagens limpas e fortes (formando verdadeiras pinturas), a maquiagem expressionista corroborando a cena contra o naturalismo... tudo isso (e muito mais) já foi dito.  Desta forma, esta reflexão abordará o que de incomum esta montagem acrescenta à carreira de Wilson: a interpretação de atores brasileiros (em 1974, o encenador trabalhou com um elenco nacional na montagem de A Vida e a Época de Joseph Stalin apresentada no Teatro Municipal de São Paulo. Mas como esta obra não apresentava falas, somente agora se pode dizer que um elenco brasileiro experimenta a prosódia e o ritmo verbal da estética deste encenador).
Ainda que marcas, desenho de luz, figurino (criado por Giorgio Armani) e a trilha composta por Philipe Glass sejam as mesmas das outras montagens, nada se destacaria se Robert Wilson e o co-diretor Giuseppe Frigeni não tivessem encontrado neste intérpretes brasileiros o rigor e a justeza necessárias para que o trabalho se legitimasse como uma criação tipicamente wilsoniana. Numa construção cênica na qual todos os elementos são tratados com o mesmo destaque, sem a precisão destes operários dos palcos, a obra total do diretor de clássicos contemporâneos como Hamletmachine e Einstein on the Beach não se concretizaria.
Nesta montagem, temos um diretor que nos apresenta uma precisão cênica incomum nos palcos brasileiros e um elenco nacional que mostra que também nossos artistas são capazes de construções rigorosamente precisas.  O formalismo europeu (que traz embutido em si todo um rigor continental histórico) encontrou em Lígia Cortez, Hélio Cícero, Ondina Clais Castilho, Luiz Damasceno e Bete Coelho os intérpretes com o necessário domínio de cena para sua comunicação. Saímos do teatro com a sensação (ainda que ilusória) de que não poderiam ser outros os intérpretes desta versão brasileira de A Dama do Mar.
Em 2 meses de ensaio, sob a orientação de Frigeni, o elenco se entregou a uma carga horária que muitos grupos brasileiros (em grande parte pelas dificuldades dos elencos poderem se dedicar apenas ao fazer teatral) não conseguem obter em processos que às vezes duram anos. Esta imersão de um elenco constituído de atores com larga experiência nos palcos e em contínuo processo de estudos (em cena e em sala de aula), não poderia ter outro resultado que não o alcance da estética aplicada por Wilson ao longo de sua carreira. Esta precisão é observada não só na execução de marcas e movimentos, como também na lida dos intérpretes com a palavra.
            Se no teatro de estéticas realista e naturalista, a voz microfonada na maioria das vezes depõe contra a convenção proposta, em A Dama do Mar o recurso colabora para a transmissão do conceito estético da montagem e ampara a “fala artificial” dos intérpretes. Desta forma, também através do trabalho vocal é que elenco acentua a densidade simbólica da peça original de Henrik Ibsen (também já potencializada pela releitura de Susan Sontag).
O ator Hélio Cícero é um intérprete que não se acomodou a uma zona de conforto. Da formação na EAD, aos primeiros trabalhos na década de 80 com Antunes Filho e Ulysses Cruz, desenvolvendo entre os anos 90 e 2000 trabalhos com Cibele Forjaz, Francisco Medeiros e Samir Yazbek, Hélio se mostra um ator em processo contínuo de busca por novas linguagens e ferramentas para as exigências que possuem dramaturgias e encenações contemporâneas. Esta busca do artista explica a força de seu trabalho nesta montagem. No movimento e na fala, sua criação é precisa.
          Esta precisão também é observada na construção de Lígia Cortez, muito exigida como Élida, a protagonista da história. Ao longo de 1h30min (tempo de duração do espetáculo), ela conduz com segurança um espetáculo difícil (caso o que o que o espectador procure seja apenas uma entrada para o prato principal da noite, a pizza do final de semana). Em sua condução, destaca-se a manutenção de uma postura que em nenhum momento é perdida.
Lígia reveza o papel da personagem-título com Ondina Clais Castilho. Também no trabalho desta atriz, a importância de suas experiências anteriores não pode ser ignorada ao se assistir e pensar em seu desempenho em A Dama do Mar. A eloquência e articulação trabalhadas à exaustão pela intérprete nas mãos de Antunes Filho (em Toda Nudez Será Castigada), seguramente embasaram sua construção neste trabalho, dialogando com a dramaturgia de Sontag e a direção de Wilson. Seu trabalho também acrescenta muito ao conjunto do espetáculo.  
Em montagens nacionais de encenações criadas no exterior (impossível não “provocar” um paralelo com o modelo de reprodução dos musicais da Brodway no Brasil), sempre ronda a polêmica se as versões brasileiras possuem alguma criação autoral ou se apenas reproduzem fidedignamente um modelo imposto (castrando qualquer liberdade artística).  No caso desta obra, a resposta a está questão pode ser encontrada assistindo a uma sessão do espetáculo com Lígia Cortez como Élida e outra com Ondina no mesmo papel. Infelizmente, não pude fazer isso, mas é difícil imaginar que atrizes-criadoras como as duas se submeteriam a apenas reproduzir marcas.  Repetição não é mecânica, tampouco defeito. Pelo contrário. Quando realizada por artistas-criadores, é a partir dela que a criatividade se manifesta. Não há dúvidas de que A Dama do Mar é ao mesmo tempo um espetáculo idêntico e uma obra diferente para público e colegas de cena quando uma atriz interpreta um papel e a outra corporifica o outro.
  Na primeira sessão do espetáculo em Santos, Ondina contracenou principalmente com Bete Coelho e Luiz Damasceno. Ao assistir a estes dois atores em um trabalho contemporâneo como este, impossível não associar a qualidade de seus desempenhos às longas parcerias de ambos com Gerald Thomas. Certamente é este histórico ao lado deste importante nome da cena mundial do teatro de estética antinaturalista que os fazem transmitir uma sensação de leveza no palco. Bete e Damasceno apresentam um “estar à vontade” em cena que merece ser olhado com atenção especial.
           Bete não permanece por muito tempo em cena. Mas sua interpretação evoca a máxima stanislavskiana: “não existe papel pequeno, mas sim atores pequenos”: a atriz parece se divertir em cena, jogando com seus colegas e também com os espectadores. Alguns dos pontos de maior energia da encenação ocorrem em passagens suas pela cena, provocando com inteligência um riso diferente do que estamos acostumados. De minha parte, fica o desejo de assistir a esta atriz mais vezes em cena. E por mais tempo.
Observemos que todos os atores possuem histórico ligado à pesquisa e prática de  encenações contemporâneas, que exigem do ator teatral do século XXI recursos muito além dos ensinados na maioria dos centros de formação de atores espalhados pelo país. O elenco brasileiro de A Dama do Mar obtém o resultado estético visto em cena não apenas pelos dois meses de ensaio. Carreiras de constantes trabalhos e experimentos em linguagens cênicas diversificadas e a necessária humildade de não se recusarem a participar de testes para a montagem são lições importantes que estes artistas oferecem a toda uma geração de jovens que se iniciam na jornada teatral e necessitam de boas referências. Para o trabalho de ator, não há mágica. O aperfeiçoamento constante é vital. Um compromisso do ator com sua arte e consigo.
No final das contas, no encontro entre Henrik Ibsen, Susan Sontag, Robert Wilson e um elenco brasileiro, vemos um poema visual deste encenador norte-americano com a rara oportunidade de poder aproveitá-lo sem legendas! Quem ainda não assistiu, sendo gente de teatro ou querendo tentar ser, é compromisso obrigatório! Assistir A Dama do Mar não é para a tacanhice de gostar ou não gostar, mas de formar repertório teatral e testemunhar o trabalho do encenador que revolucionou a arte teatral na segunda metade do século XX. Imperdível.
Fica a vontade de, nestas incursões de Bob Wilson pelo Brasil, vê-lo lidar com um texto brasileiro. Em Nelson Rodrigues, Hilda Hilst e Flávio de Carvalho (entre tantos outros dramaturgos), temos vários exemplos da fuga ao naturalismo que este encenador tanto defende e pratica. Como seria o encontro dele com a dramaturgia brasileira? Fica a curiosidade. E a expectativa de que um dia este encontro aconteça. E assim tenhamos uma encenação realmente inédita de Wilson em nossos palcos.
Um tema para outro pequeno (e necessário) ensaio é a ideia do diálogo entre clássico e contemporâneo a partir da releitura do drama ibseniano por Susan Sontag. Mas aqui fica apenas a sugestão. Para não cansar o querido leitor que conseguiu chegar até aqui, fica o desfecho com os agradecimentos. A sua leitura, prezado leitor, a Robert Wilson e ao elenco pela obra de arte que é A Dama do Mar.